O ESPÍRITO SANTO
NA BÍBLIA
A essência do ministério do Espírito Santo, nestes dias ou em qualquer
outro tempo da era cristã, é ser mediador da presença de nosso Senhor Jesus
Cristo. Sob este ministério todos nós, cristãos, já estamos vivendo, embora
nossos pensamentos a respeito dele possam estar um pouco atrasados em relação à
realidade.
A presença de Jesus, como mencionada acima, deve ser considerada não em
termos espaciais, mas em termos relacionais. Aquilo para o que estamos
apontando quando usamos esta frase é uma percepção de três coisas. A primeira é
que Jesus de Nazaré, o Cristo das Escrituras, uma vez crucificado, agora
glorificado, está aqui, abordando e
dirigindo-se pessoalmente a nós. A segunda é que ele é ativo, iluminando-nos, animando-nos e transformando-nos
poderosamente, junto com outras pessoas, enquanto ele nos incita, tentando
quebrar a nossa morosidade, aguça a nossa percepção, alivia as nossas
consciências culpadas, adoça o nosso temperamento, sustenta-nos sob pressão e
nos fortalece para praticarmos a justiça. A terceira é que em si mesmo, como em
Sua obra, ele é glorioso, merecedor
de toda a adoração, todo amor e toda lealdade de que somos capazes. A mediação
da presença de Jesus, portanto, é uma questão de o Espírito fazer o que for
necessário para a criação, o sustento, o aprofundamento e a expressão desta
percepção nas vidas humanas. Os temas que surgem, à medida que se expõe isto,
são bastante familiares; comunicação de Deus em Cristo e comunhão com Deus
através de Cristo; a interpretação das Sagradas Escrituras e a iluminação dos
corações humanos; a regeneração e santificação de pecadores; a realização dos
dons e das boas obras; o testemunho do Espírito acerca da nossa adoção e a sua
ajuda nas fraquezas humanas; o engendrar sobrenatural da fé, da oração, da
esperança, do amor e de todas as muitas facetas do caráter de Cristo em nós; e
assim por diante. Nada é novo aqui, exceto o fato de se estar enfatizando a
centralidade de Cristo em relação a todas as atividades do Espírito, de maneira
que não é sempre feito. Este capítulo procura mostrar que, ao fazê-lo, estamos
apenas seguindo as diretrizes da própria Bíblia.
Seria melhor se iniciássemos, verificando a palavra Espírito e observando o que ela significa. Como já fizemos uma
breve abordagem na introdução, queremos concluí-la aqui.
O Espírito de Deus
Para muitas pessoas nos dias atuais, Espírito
é uma palavra vaga e descolorida. O pensamento que mais provavelmente ela
faz vir à mente é de um temperamento ou atitude humana (bom espírito ou mau
espírito, espíritos animais, espírito alegre ou triste, espírito de engano ou
de bondade, "o espírito da coisa" e até "espírito de
porco", "espírito errado", etc.). Outrora, espírito era o nome clássico dado, a inteligências não-humanas e
desencarnadas de várias espécies (anjos, demônios, fadas, duendes, fantasmas,
almas penadas, deuses locais que habitavam nas montanhas, nas pedras e nas
árvores); desta forma, quando em 1691 o ancião puritano Richard Baxter escreveu
o seu livro esquisito afirmando a realidade dessas coisas, deu-lhe o nome de A
Certeza dos Mundos dos Espíritos. Porém, a crença em espíritos como estes se
desvaneceu, pelo menos em países do Ocidente. Muitos, agora, entendem por espírito nada mais do que aquilo que
alguns dicionários chama afetadamente de "licor destilado, contendo muito
álcool" (em português arcaico era este o sentido da palavra
"espírito"; daí a palavra "espiriteira", que é um fogareiro
a álcool) e consideram a crença em outros tipos de espírito como indicador de,
no mínimo, falta de sobriedade filosófica. Enfim, a nossa civilização não nos
presta nenhuma ajuda, virtualmente, quando o, Espírito de Deus é o tema de
nosso estudo.
De fato, Espírito, como todos os
termos bíblicos que se referem a Deus, é uma palavra-figura com um significado
vivo, preciso e colorido. Ela retrata fôlego soprado ou expirado, como quando
você assopra as velas do seu bolo de aniversario, enche balões de ar nas
chamadas bexigas ou ofega enquanto corre. Espírito,
neste sentido, foi aquilo com que o lobo mau estava ameaçando os
porquinhos, quando lhes disse: "Vou soprar, vou soprar e vou de rrubar a
sua casa!" O quadro é de ar impelido com força, até violentamente, e o
pensamento que esse quadro expressa é de energia liberada, força executiva
invadindo, poder em exercício, vida demonstrada pela atividade.
Tanto a palavra hebraica quanto a grega, traduzidas como Espírito em nossas Bíblias (ruach e pneuma), têm em si esse pensamento básico e ambas têm a mesma
amplitude de associação. Elas são usadas em relação a (1) o Espírito divino,
pessoal e proposital, invisível e irresistível; (2) a consciência humana
individual (sentido em que espírito se
torna sinônimo de alma, como, por
exemplo, em Lucas 1.46, 47; e (3) o vento que, quando sopra, agita as folhas
das árvores, a ponto de desarraigá-las, derrubando, até edifícios. (Como
exemplos deste último uso, veja (a) Ezequiel 37.1-14, a visão dos ossos secos,
onde ruach é sopro, vento, e Espírito
de Deus em rápida sucessão, e (b) o, uso de pneuma
para o vento, bem como para o Espírito de Deus, em João 3.8.) Gostaríamos
que a nossa língua tivesse uma palavra com todas estas associações. Soprar (e
palavras cognatas, como assoprar) e fôlego são duas palavras em português (as
únicas, pensamos) que se referem tanto à expiração do ar dos pulmões humanos e
à agitação do vento, mas em português não há nenhum termo que cubra, juntamente
com essas acepções, a individualidade intelectual, volitiva e emocional de Deus
e de suas criaturas racionais. Espírito, em
português, ao contrário, denota uma personalidade consciente em ação e reação,
mas não pode ser usada ao mesmo tempo para denotar sopro ou vento. Esta é, sem
dúvida uma razão por que ela não nos sugere poder em ação da maneira que ruach e pneuma o faziam para o povo dos tempos bíblicos.
Poder em ação é, de fato, o pensamento bíblico básico sempre que o Espírito
de Deus é mencionado. No Antigo Testamento, “o Espírito de Deus” é sempre Deus
em atuação, mudando as coisas. No curso de pouco menos de cem referências
(contagem mínima, oitenta e oito; máxima, noventa e sete; os eruditos
divergem), se diz que o Espírito de Deus:
1. Molda a criação, dando-lhe forma, e anima os seres criados Gênesis 1.2;
2.7; Salmos 33.6; Jó 26.13; 33.4).
2. Controla o curso do que chamamos natureza
e história (Salmos 104.29, 30; Isaías 34.16; 40.7).
3. Revela a verdade e a vontade de
Deus aos seus mensageiros, por comunicação direta e/ou percepção destilada
(Números 24.2; 2 Samuel 23.2; 2 Crônicas 12.18; 15.1; Neemias 9.30; Jó 32.8;
Isaías 61.1-4; Ezequiel 2.2; 11.24; 37.1; Miquéias 3.8; Zacarias 7.12).
4. Ensina ao povo de Deus, através destas revelações, o caminho da fidelidade e da frutificação (Neemias 9.20; Salmos
143.10; Isaías 48.16; 63.10-14).
5. Instiga a uma reação pessoal a
Deus — conhecimento de Deus no sentido da própria Bíblia — na forma de fé,
arrependimento, obediência, justiça, abertura para a instrução de Deus e
comunhão com Ele, por meio de louvor e oração (Salmos 51.10-12; Isaías 11.2;
44.3; Ezequiel 11.19; 36.25-27; 37.14; 39.29; Joel 2.28, 29; Zacarias 12.10).
6. Equipa indivíduos para a liderança.
(Gênesis 41.38, José; Números 11.17, Moisés; 11.16-29, setenta anciãos;
27.18, Deuteronômio 34.9, Josué; Juízes 3.10, Otniel; 6.34, Gideão; 11.29,
Jefté; 13.25; 14.19; 15.14, Sansão; 1 Samuel 10.10; 11.6, veja também 19.20-23,
Saul; 16.13, Davi; 2 Reis 2.9-15; Elias
e Eliseu; Isaías 11.1-5, 42.1-4, o Messias).
7. Equipa indivíduos com perícia e
força para realizações criativas (Êxodo 31.1-11, 35.30-35, Bezalel e
Aoliabe; veja também 1 Reis 7.14, Hirão, para habilidade artística; Ageu 2.5,
Zacarias 4.6, para a edificação do templo).
Em suma, no Antigo Testamento o Espírito é Deus ativo como criador, controlado, revelador, vivificador
e capacitador; e em tudo isto Deus se faz presente aos homens da maneira
dinâmica, exigente em que o, Senhor agora se faz presente aos crentes. Quando o
salmista pergunta: "Para onde me
ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face?" (139.7),
essas duas interrogações se expõem uma à outra; ambas significam a mesma coisa.
Contudo, a personalidade distinta do Espírito não fazia parte desta revelação.
No Antigo Testamento, o Espírito (sopro!) de Deus está em pé de igualdade,
logicamente, com sua mão e seu braço, dois antropomorfismos que
significam o seu poder grandioso, e com seu zelo,
uma personificação que significa a sua firmeza de propósitos. Na verdade
você poderia dizer que as referências ao Espírito
de Deus significam Deus em ação em resoluta onipotência, agindo juntos o
seu braço e o seu zelo, mas não seria verdade dizer que
essas referências expressam qualquer pensamento, da parte dos escritores, de
uma pluralidade de pessoas dentro da unidade da Divindade. A verdade da
Trindade é uma revelação do Novo Testamento.
Mas se alguém pensasse que, de acordo com a Escritura, Deus era unipessoal
durante o período veterotestamentário e que se tornou tripessoal apenas quando
Jesus nasceu, estaria errado. O que está em questão aqui não é o modo de ser de
Deus desde a eternidade, mas a forma da sua revelação na história. Não estamos
dizendo que a terceira pessoa da Divindade não existia ou não estava ativa nos
tempos do Antigo Testamento; os escritores do Novo Testamento nos asseguram de
que ela existia e estava ativa. Estamos apenas dizendo que a sua personalidade
distinta não é expressa pelos escritores do Antigo Testamento; embora a
triunidade de Deus seja um fato eterno, só através de Cristo ela se tornou
conhecida.
Agora acrescentamos isto: a forma correta pela qual os seguidores de Jesus
Cristo, devem interpretar o Antigo Testamento é à luz de tudo, o que foi
revelado em Cristo e através dele, e que agora está diante de nós no Novo
Testamento. Em seguida à identificação de Jesus acerca de si próprio como o
ponto de referência e cumpridor das Escrituras (veja Mateus 5.17; 26.54-56;
Lucas 18.31; 22.37; 24.25-27; 44-47; João 5.39, 45-47), os apóstolos aclamaram
todo o Antigo Testamento como instruções dadas por Deus para os cristãos (veja
Romanos 15.4; 1 Coríntios 10.11; 2 Timóteo 3.15-17, 2 Pedro 1.19-21; 3.16); e à
medida que eles constantemente interpretavam a partir dele a verdade e
sabedoria divinas, também encontravam com constância o seu conhecimento de
Cristo e das realidades cristãs refletidos nele. No uso que o Novo Testamento
faz do Antigo, vemos este fato acontecer. Os cristãos apostólicos, portanto, devem
ler as referências do Antigo Testamento à obra do Espírito de Deus, à luz da
revelação neotestamentária da personalidade distinta do Espírito, da mesma
forma como, devem ler as referências do Antigo Testamento ao único Deus, o
Senhor Javé, Criador Salvador e Santificador, o único objeto correto de
adoração, à luz do desvendamento realizado pelo Novo Testamento, de que Deus é
triúno. Não há nada de arbitrário, em se fazer isto; a justeza desse
procedimento segue-se diretamente ao reconhecimento, de que o Deus de ambos os
testamentos é único.
Na verdade, este procedimento não é o que os eruditos modernos chamam de
exegese histórica. A exegese histórica se limita a perguntar o que o escritor
humano, queria que seus leitores visados entendessem do que ele dissera. A
leitura do Antigo Testamento à luz do Novo é mais bem descrita como
interpretação teológica — "interpretação canónica", para usar a frase
correntemente empregada — que é o, caso de se perguntar o que o Espírito Santo,
que inspirou cada escritor, quer que os cristãos hodiernos encontrem em suas palavras, quando estes as lêem,
tendo como seu contexto toda a verdade do Novo Testamento e todo o resto da
Bíblia cristã. A exegese histórica nos assegura de que as declarações
veterotestamentárias acerca do sopro poderoso de Deus não tinham a intenção, da
parte dos seus escritores humanos, de dar a entender distinções pessoais dentro
da Divindade. A interpretação teológica cristã, contudo, nos obriga a seguir o
Senhor Jesus e seus apóstolos em reconhecer que a terceira pessoa da Divindade
estava ativa nos tempos do Antigo Testamento, e que as declarações
veterotestamentárias acerca do sopro poderoso de Deus de fato se referem à
atividade do Espírito pessoal. A direção aquí é dada por passagens como Marcos
12.36 e Atos 1.16; 4.25, onde se diz que Davi falou pelo Espírito Santo,
ecoando 2 Samuel 23.2; Lucas 4.18-21,
onde Jesus, cheio do poder do Espírito Santo pessoal (veja Lucas 3.22; 4.1, 14;
veja também Lucas 1.35, 41, 67), declara que a sua pregação cumpre o testemunho
de Isaías da sua própria unção pelo Espírito, no capítulo 61.1-4 da sua
profecia João 3.5-10, onde o ensinamento acerca do novo nascimento “da água e
do Espírito” refere-se claramente a Ezequiel 36.25-27; 37.1-14, e Nicodemos, o
mestre de Israel, é admoestado (versículo 10), por não ter compreendido essa
referência; Atos 28.25 e Hebreus 3.7; 10.15-17, onde o ensinamento do Artigo
Testamento que tem uma aplicação neotestamentária é atribuído ao Espírito Santo
como sua fonte; e - o que é mais decisivo - Atos 2.16-18, onde Pedro identifica
o derramamento, pentecostal do Espírito Santo pessoal como o que havia sido
predito nas palavras "...derramarei o meu Espírito...", de Joel 2.28,
29.
Prossigo, portanto, tendo como base o fato de que as referências
veterotestamentárias ao Espírito de Deus são de fato testemunhas da obra do
Espírito Santo pessoal no Novo Testamento.
A personalidade do Espírito
O ESPÍRITO COMO PARÁCLETO. No Novo Testamento, o Espírito Santo é
apresentado como a terceira pessoa divina, ligado ao Pai e ao Filho, mas
distinto deles, da mesma forma como o Pai e o Filho são distintos um do outro.
Ele é "o Parácleto" (João 14.16, 25; 15.26; 16.7) — uma palavra rica
para a qual não há tradução adequada em português, visto que ela, traduzida,
significa alternativamente Consolador (no sentido de Fortalecedor),
Conselheiro, Auxiliador, Sustentador, Advogado, Aliado, Amigo Mais Velho — e só
uma pessoa seria capaz de desempenhar todos esses papéis. Mais precisamente,
ele é “outro” Parácleto (14.16), o segundo pela ordem (podemos assim dizer) em
relação ao Senhor Jesus, continuando o ministério do próprio Jesus — e somente
uma pessoa, alguém como Jesus, poderia fazer isso. João sublinha o ponto em
foco, usando repetidamente um pronome masculino (ekeinos, "ele") para expressar as referências de Jesus ao
Espírito, quando a gramática grega exigiria um neutro (ekeino, “ele”, usado para referir-se a objetos) para concordar com
o substantivo neutro "Espírito" (pneuma); João deseja que os seus leitores não
tenham nenhuma dúvida de que o Espírito é uma pessoa, e não uma coisa, uma
força, um objeto. Este pronome masculino, que aparece em 14.26; 15.26; 16.8,
13, 14 é ainda mais notável porque em
14.17, onde o Espírito é apresentado pela primeira vez, João havia usado os
pronomes neutros gramaticalmente corretos (ho
e auto), assegurando, desta
forma, que a sua mudança subseqüente para o gênero masculino seria percebida
não como demonstração da sua incompetência em termos da língua grega, mas como
teologia magistral.
Mais uma vez se diz que o Espírito Santo ouve, fala, testifica, convence,
glorifica a Cristo, guia, dirige, ensina, ordena, proíbe, deseja, dá capacidade
para falar, dá ajuda e intercede pelos cristãos com gemidos inarticulados,
clamando ele mesmo a Deus nas orações destes (veja João 14.26; 15.26; 16.7-15;
Atos 2.4; 8.29; 13.2; 16.6,7; Romanos 8.14, 16, 26, 27; Gálatas 4.6; 5.17. 18).
E, também, pode-se mentir para ele, e ele pode ser ofendido (Atos 5.3, 4;
Efésios 4.30). Só a respeito de uma pessoa podem ser ditas estas coisas. A
conclusão, é de que o Espírito não é apenas uma influência; ele, à semelhança
do Pai e do Filho, é uma pessoa individualmente.
O ESPÍRITO COMO DIVINDADE. Sobretudo, o Espírito Santo é apresentado como
pessoa divina. A sua individualidade está dentro da unidade da Divindade. A
própria palavra santo sugere a sua divindade, várias passagens são explícitas a
este respeito. Jesus declara que o nome de Deus, em que devem ser batizados
aqueles que se tornam seus discípulos (nome,
no singular, note, pois existe apenas um só Deus) é tripessoal: “nome do
Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mateus 28.19). (Karl Barth docemente
chamou esta expressão de "nome cristão" de Deus!) Mais uma vez, João
começa a sua carta às sete igrejas, desejando-lhes graça e paz “da parte
daquele que é, que era e que há de vir, da parte dos sete Espíritos que se
acham diante do seu trono, e da parte de Jesus Cristo...” (Apocalipse 1.4, 5).
No simbolismo numérico, de Apocalipse, sete significa a perfeição divina, e os
"sete espíritos" certamente significam o Espírito Santo, na plenitude
do seu poder e sua obra (veja 3.1; 4.5; 5.6). Quando o Pai é colocado em
primeiro lugar, o Filho em terceiro, e o Espírito entre eles, como aqui, não
resta lugar para se duvidar da co-igualdade do Espírito com eles dois.
Confirmando isto, uma série de passagens “triádicas” ligam Pai, Filho e
Espírito Santo na inseparável unidade de um único plano de graça (veja 1
Coríntios 12.4-6, 2 Coríntios 13.14; Efésios 1.3-13; 2.18; 3.14-19; 4.4-6; 2 Tessalonicenses 2.13,14; 1
Pedro 1.2). A conclusão é de que o Espírito não é mera criatura poderosa, como
um anjo; Ele, juntamente com o Pai e o Filho é Deus Todo-poderoso. Por isso,
pedimos: nunca pense nem fale no Espírito Santo em termos inferiores aos
pessoais!
O Espírito Santo e Cristo
Propomos que façamos do Evangelho de João, o trampolim para que, a partir
dele, elucidemos o novo ministério pactual do Espírito; pois é no Evangelho de
João, dos lábios do próprio Jesus, que nos é dado o indício, a sugestão vital
para entendermos esse ministério. Com respeito a este tópico, de qualquer
forma, precisamos estar sobre os ombros de João, para entendermos plenamente o
que nos dizem Mateus, Marcos, Lucas, Pedro e Paulo acerca do Espírito.
A PROMESSA DO ESPIRITO. Na noite em que foi traído, assim nos conta João,
Jesus falou extensivamente com onze de seus seguidores a respeito do seu futuro
discipulado, à luz da sua partida iminente para a glória (capítulos 13-16). Ele
se referiu várias vezes ao Parácleto, a quem identificou como o Espírito da
verdade (14.17; l5.26; 16.13) e como Espírito Santo (14.26). O Parácleto, disse
Ele, seria enviado pelo Pai mediante seu pedido pessoal (do Filho), logo em
seguida à sua partida (14.16, 26), e assim pode-se dizer que Ele seria enviado
pelo Filho como agente do Pai (15.26; 16.7). Ele seria enviado, disse Jesus,
“em meu nome” (14.26), ou seja, como correio de Jesus, seu porta-voz e
representante; Ele ficaria com os discípulos de Jesus “para sempre” (14.15); e,
mediante a sua vinda a eles, o próprio Jesus, seu Senhor glorificado, na
verdade retornaria a eles (14.18-23). Em seu novo ministério pactual (pois é a
esse respeito que Jesus estava falando), o Espírito obliteraria a si mesmo,
dirigindo todas as atenções para Cristo — e, conseqüentemente, afastando-as de
si próprio — e atraindo as pessoas para a fé, esperança, amor, obediência, adoração e dedicação que constituem a
comunhão com Cristo. Este, é bom que se diga, continua sendo o critério pelo
qual pode ser medida a autenticidade dos movimentos supostamente “espirituais”
— o movimento ecumênico, o movimento carismático, o movimento Litúrgico e assim
por diante — e também o das experiências supostamente “espirituais”.
ESPÍRITO E A PRESENÇA DE CRISTO. Assim sendo, o Espírito faria da presença
de Cristo e da comunhão com Ele e seu Pai realidades de experiência para
aqueles que, obedecendo às suas palavras, mostrassem que o amavam (14. 21-23).
“Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para
ele e faremos nele morada". Este é o acesso para aquela qualidade de
experiência cristã da qual o próprio João testificou, quando escreveu: “A nossa
comunhão é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo.” (1 João 1.3), e esse
testemunho vem como desafio de Cristo para que nós todos busquemos esta
comunhão experimental e não nos conformemos com nada menos do que isto.
ENSINO DO ESPÍRITO DE DEUS. E, outra vez, o Espírito haveria de ensinar
como Jesus havia ensinado durante três preciosos anos do seu ministério na
terra e a maneira de o Espírito ensinar seria fazer com que os discípulos
lembrassem e compreendessem o que o próprio Jesus havia dito (14.26; veja
também 16.13, onde a frase de Jesus "toda a verdade", à semelhança de
“todas as coisas” em 14.26, significa não “o que os espera,” mas "o que me espera" — a cruz, a
ressurreição, o reino, a volta, a restauração de todas as coisas). Este é o
teste que mostrará o quanto do Espírito existe em cada um dos vários tipos de
teologia supostamente cristã que demandam a nossa atenção hodiernamente.
O TESTEMUNHO DO ESPÍRITO. Finalmente, o Espírito comprovaria Cristo na
forma de uma testemunha, fazendo que as pessoas soubessem que, embora
crucificado como criminoso, Ele não era de forma alguma pecador, que de fato
Ele estava sendo vindicado como justo por causa da sua volta à glória do Pai,
que Ele começara a desempenhar o seu papel como juíz do mundo mediante o
julgamento executado na cruz, que destronara o príncipe das trevas deste mundo
(veja também 12.31) e que o fato de não reconhecê-lo nestes termos é o pecado
de incredulidade (15.27; 16.8-11). Desta forma, o Espírito testificador agiria
como um promotor público da humanidade, imprimindo em coração após coração o
veredicto: "Errei, sou culpado; preciso de perdão", a medida que Ele
faz entender a enormidade da rejeição de Jesus ou pelo menos de não tê-lo
levado suficientemente a sério (16.8). Esta é uma promessa da ajuda do Espírito
na evangelização. A sua maneira de convencer e sentenciar é através da persuasão
cristã, à medida que a Igreja dissemina a mensagem apostólica; o seu testemunho
é uma questão de Ele abrir o ouvido interno e aplicar à consciência individual
as verdades que os cristãos que testificam colocam diante da mente (veja 15.27;
17.20).
Desta forma, o Espírito iria glorificar o Salvador glorificado (16.14),
agindo tanto como intérprete, para tornar clara a verdade a respeito dele,
quanto como iluminador, para assegurar que as mentes propícias a recebessem.
Jesus, o Senhor Cristo, seria o ponto central do ministério, do Espírito, do
princípio ao fim.
O Espírito Santo e os Primórdios Cristãos
Toda experiência cristã válida é um ato do Espírito de Deus sobre nós e
através de nós. A explanação inclui, no entanto, o elo entre a obra do Espírito
e a de Cristo, de um lado, e a obra do Espírito e a da igreja, de outro.
O FUNDAMENTO: A GRAÇA DE DEUS. A suprema realidade em toda experiência
cristã do Espírito é a graça soberana de Deus (Êx 34.6; Ef 1.7s. Graça (lat. gratia;
gr. charis; heb. Chen) significa a livre demonstração de um
favor, especialmente da parte de alguém superior para alguém inferior. Com
respeito a Deus, é aquela sua decisão espontânea, livre de qualquer coação e de
forma alguma forçada por nosso mérito, de ter misericórdia das criaturas
pecadoras, salvando seu povo de todos os efeitos de seus pecados através de
Jesus Cristo (At 15.11; Ef 2.8; Tt 2.11). A liberdade
da graça divina precisa ser destacada. Deus age para salvar por sua própria
escolha; é uma obra divina que ultrapassa todas as exigências do fato de ter
sido Ele o Criador; como acontece com Israel, e também com a igreja, não foi de
modo algum por causa do que éramos ou jamais seremos (Dt 7.7s). Deus ama e
salva seu povo porque ama-o e quer salvá-lo. Não pode haver qualquer “explicação”
além dessa.
A graça de Deus é soberana (At
18.27; Rm l1.5s; lCo 15.10). Por ser Deus
quem decide salvar seu povo, Ele irá certamente concretizar essa resolução.
Nenhum poder, demoníaco ou humano, poderá sustar o seu propósito. Que Deus seja
Deus! Os vários aspectos da experiência cristã do Espírito expostos abaixo são
simplesmente facetas distintas desta realidade fundamental, a graça soberana de
Deus em sua operação para salvar pecadores.
A ESSÊNCIA: UNIÃO COM CRISTO PELO ESPÍRITO. O âmago da experiência cristã
do Espírito Santo está no fato dEle levar-nos a uma relação viva com Jesus
Cristo e assim partilharmos do sua redenção e de todas as suas bênçãos. Toda
experiência cristã pode concentrar-se neste dom de Deus para nós através de seu
Espírito, nossa união com Cristo.
A base bíblica da união com Cristo está na visão de fé contida no Novo
Testamento. Fé significa fé "em" Jesus Cristo (At 16.30s; Rm 3.22; Fp
3.9s). As preposições gregas usadas com "crer" (eis, en, epi) abrangem a idéia de crer "em" Cristo. A fé
envolve, portanto, uma relação viva com o seu objeto; ser um cristão significa
estar unido a Cristo.
A base do conceito “união com Cristo pela fé” é a noção do Antigo
Testamento quanto à solidariedade entre o Messias e o povo messiânico. Um
Messias separado de seu povo era inconcebível; ele representava Deus para o
povo (Is 11.9) e o povo para Deus (Jr 30.21). Duas das principais figuras
messiânicas, o Filho do Homem e o Servo do Senhor, pairam desse modo entre o
indivíduo e a comunidade (Dn 7.13; cf. 7.l5ss; Is 42.1; cf. 41.8s).
Além disso, estar unido com Cristo significa achar-se unido a -Ele em toda
a extensão de sua missão redentora (cf. Fp 2.5-11). O cristão morreu com Cristo (Rm 6.1-11; Gl 2.20) foi
ressuscitado com Cristo (Ef 2.5s; Cl
3.1s), levantou-se com Cristo para
participar agora do seu reino nos lugares celestiais (Rm 5.17; Ef 2.6) e está
destinado a participar da glória vindoura de Cristo com Ele (Fp 3.20s; 1Jo 3.2). A obra do Espírito na regeneração do
cristão é portanto uma obra em que o Espírito nos une a Cristo. "O
Espírito Santo é o elo pelo qual Cristo nos une eficazmente a Ele"
(Calvino). Os elementos principais desta união são nosso chamado, regeneração,
arrependimento, fé, justificação e
adoção.
Chamado. Refere-se àquela obra de Deus pelo seu Espírito em que Ele chama os homens
e mulheres para que se aproximem e recebam sua misericórdia em Jesus Cristo. A
idéia do chamado de Deus é comum na Escritura (Gn 3.9; Êx 3.4; 1Sm 3.4; Is
43.1; Jr 7.13; Jo 10.3). Em especial, Deus chama através da proclamação do
evangelho seja em forma de pregação ou de qualquer outro meio (Ef 1.11-13; 2 Ts
2.13s). A graça soberana de Deus não opera de maneira impessoal ou arbitrária,
mas sempre por meios pessoais conforme seu plano. Ele se dirige pessoalmente às
suas criaturas, chamando-as com graça e paciência para que se voltem para Ele e
confiem em Sua misericórdia em Cristo.
Pertence ao mistério da incredulidade humana o fato de nem todos os que
ouvem o chamado de Deus através do evangelho responderem ao mesmo. Assim sendo,
pode-se fazer uma distinção entre o chamado geral de Deus, pelo qual Ele chama
a todos os que ouvem o evangelho para que se aproximem dEle (Mt 9.13), e o
chamado efetivo de Deus, em que tal
apelo leva a uma resposta de arrependimento e fé em Cristo (Rm 1.6; 8.28,30;
1Pe 1.15). Esta distinção pode ser claramente observada nos ensinos de Jesus
(Mt 22.14).
Regeneração. A regeneração significa literalmente "nascer de novo" ou
"renascer". O Antigo
Testamento referia-se a uma obra futura do Espírito, mediante a qual Ele
habitaria no meio do povo de Deus, dando-lhes nova vida e capacitando-os a
cumprir a vontade divina (Ez 36.25s; cf
Jr 31.33). No Novo Testamento, Jesus fala a Nicodemos da regeneração pelo
Espírito como o único meio de entrar no reino de Deus (Jo 3.1-8). Outras
referências bíblicas repetem estes termos: "nascido dele (de Deus)"
(1Jo 2.29; 3.9; 4.7; 5.4,18; Jo 1.13), "regenerado pela Palavra" (1Pe
1.23; cf. Tg 1.18), "nova criatura" (2Co 5.17; Gl 6.15), "criados" por Deus (Ef 2.10;
4.24).
A regeneração marca o momento e o meio de entrarmos em união com Cristo.
Trata-se de uma mudança instantânea da morte espiritual para a vida espiritual,
uma ressurreição espiritual (Ef 2.1,5), o acontecimento único no início da vida
cristã, paralelo ao nascimento físico. A regeneração difere da conversão, à
qual se acha ligada, ao destacar o ato de Deus dando uma nova vida; a conversão
é o ato humano de voltar-se do pecado para a justiça, e acompanha a
regeneração. Através desta o crente recebe uma nova natureza espiritual que irá
expressar-se em novos interesses e preocupações. Os regenerados preocupam-se
principalmente com "as coisas de Deus", sua Palavra, seu povo, seu
serviço, sua glória, e, acima de tudo, com o próprio Deus. Eles encontram novos
poderes para resistir ao pecado, para obedecer e servir a Deus.
É um erro supor que a regeneração deva ser necessariamente acompanhada de
certos elementos emocionais. Nossa percepção da mudança de perspectiva, de
desejos e de atitudes pode ser gradual e quase imperceptível. A pessoa criada
em um lar cristão e que aprendeu o evangelho desde a infância pode ser atraída
para Cristo e chegar à idade adulta com uma fé firme em Cristo, sem ter passado
por qualquer crise específica que possa ser identificada como o momento do novo
nascimento. A experiência de outros não é normativa. Nem todos podem citar
ocasião e lugar específicos para o momento da regeneração. Esse é geralmente o
caso, mas não precisa ser assim. Na verdade, alguns que experimentam uma crise
emocional e espiritual provam mais tarde que, com toda certeza, não foram
regenerados de maneira alguma. Isto foi demonstrado por Spurgeon que comentou
que a ignorância por parte do indivíduo quanto à hora precisa de seu nascimento
não era uma evidência de que o mesmo não estava vivo! A prova da regeneração
pelo Espírito é a convicção íntima do indivíduo de que Cristo é de fato Senhor
e Salvador e as evidências da vida do Espírito nele e através dele.
Arrependimento. O termo significa literalmente "mudança de opinião". No contexto
bíblico refere-se a uma mundança de idéia em relação ao pecado e ao mal. O
arrependimento é visto na Bíblia como um elemento fundamental na resposta do
homem a Deus, geralmente ligado à fé; nós nos voltamos do pecado para Cristo (Mc 1.15; At 2.38; 20.21). A conversão,
literalmente "mudança de direção", é um termo associado a este.
O chamado de Deus para o arrependimento é um lembrete do caráter
fundamentalmente moral do evangelho e da nova vida que segue nossa aceitação do
evangelho. O evangelho preocupa-se essencialmente com o pecado humano e o
remédio de Deus. O arrependimento é um dos elementos em toda resposta sincera
ao evangelho De modo inverso, a ausência de qualquer mudança de atitude em
relação ao pecado é uma evidência de que a pessoa não foi verdadeiramente
regenerada ( 1Jo 3.9).
Como a fé, o arrependimento não fica confinado aos primeiros momentos da
vida cristã. O cristão é chamado para arrepender-se durante a vida inteira,
afastando-se sempre do pecado, conforme este lhe é revelado. Este espírito de
arrependimento ou quebrantamento diante de Deus, a morte diária para o eu e o pecado, não um sinal de falta de
crescimento espiritual, mas de intimidade com Deus e genuína maturidade.
Fé. A fé é
fundamental a toda experiência cristã autêntica. Sem fé é "impossível
agradar a Deus" (Hb 11.6). A fé pode ser provisoriamente descrita como
"confiança na verdade de Jesus Cristo crucificado e ressurreto".
Fé é confiança. Envolve um
compromisso pessoal ativo para com Deus e Cristo e não apenas uma percepção da
realidade de Deus. Neste último sentido, o diabo e os demônios também crêem (Tg
2.19). O diabo não é ateu, nem agnóstico; ele está consciente da realidade de
Deus e da redenção em Cristo. Mas de modo algum ele tem qualquer compromisso
com Deus; ele não tem fé.
Fé é confiar na verdade. A fé se
baseia na realidade objetiva; corresponde à verdade da revelação de Deus em
Cristo e no evangelho. Como disse Lutero ao justificar suas discussões
dogmáticas em defesa do evangelho: "Não existe cristianismo onde não há
afirmações..." Emendar ou reduzir o conteúdo do evangelho no interesse da
comunicação eficaz ao homem moderno é portanto um empreendimento perigoso,
autodestrutivo no final, pois inevitavelmente enfraquece a fé ou até mesmo a
torna impossível, devido à remoção da base em que ela se apóia.
Fé é confiança na verdade de Jesus
Cristo, crucificado e ressurreto. O conteúdo objetivo em que repousa é o
Cristo do evangelho, que "foi entregue por causa das nossas transgressões,
e ressuscitou por causa da nossa justificação" (Rm 4.25; cf. Jo 1.12;
3.16; At 16.30s; Rm 10.9). Fé em Cristo significa compromisso com quem morreu e
ressuscitou por cada um de nós. Significa estar unido a Cristo.
Justificação. A justificação é aquela obra da graça de Deus pela qual o pecador, mediante
sua união pela fé com Cristo, é tido como justo diante de Deus, com base na
obediência e na morte de Cristo. É vital reconhecer que a justificação
refere-se à condição de justiça que
Deus concede ao crente e não principalmente à justiça intrínseca, real. Este é
o fato que forma a base da paz, da segurança e da alegria do cristão. Sendo
pecadores, não somos aceitos em vista de nossos débeis esforços para obedecer
adequadamente a Deus, mas por Ele nos garantir a perfeita justiça de Cristo.
Isto significa então que a maneira como
vive a pessoa justificada é irrelevante? Essa idéia deu margem a muita
discussão. De fato, o Novo Testamento parece em princípio, falar de dois modos:
"Verificais que uma pessoa é justificada por obras, e não por fé
somente" (Tg 2.24); “Concluímos, pois, que o homem éjustificado pela fé,
independentemente das obras da lei” (Rm 3.28). A aparente contradição entre
Tiago e Paulo se dissolve quando notamos o emprego diferente da terminologia e
os diferentes erros apontados pelos dois apóstolos.
A fé na discussão de Tiago equivale à aceitação intelectual do monoteísmo
(2.14), o tipo de fé que os demônios possuem e que diferenciamos acima do
significado pleno de fé no Novo Testamento, ou seja, a confiança pessoal em
Cristo. Para Tiago, fazer boas obras significa observar a “lei régia, segundo a
Escritura: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Tg 2.8). Paulo emprega o
termo para referir-se a obras da lei; realizadas especificamente para ganhar a salvação à parte de Cristo.
Romanos 3.28 fala então de fé viva e obras de auto-justificação, enquanto Tiago
2.24 fala da fé nominal e descompromissada e de obras espontâneas que honram a
Deus. A justiça para Tiago significa o verdadeiro caráter moral da pessoa,
enquanto em Paulo ela em geral ocorre no contexto da justificação, significando
uma justiça doada, creditada. Quando Paulo pensa no juízo futuro, ele introduz
também o assunto da conduta (Rm 2.6; 2Co 5.10). Ele está tão preocupado quanto
Tiago com a “fé que atua pelo amor” (Gl 5.6) e rejeita totalmente a frouxidão moral entre os justificados (Rm
6.1s).
Paulo estava lutando com a confiança dos judeus no mérito das boas obras
como base da salvação, em oposição à qual ele proclamou a salvação pela graça, unicamente
através da fé. Tiago enfrentou um problema diferente, uma ortodoxia morta que,
apesar de crer, não via implicações morais em sua fé. Paulo desejava estimular
seus leitores, lembrando-os de que a fé que não transforma a vida diária do
homem é falsa e morta. Assim, tanto para Tiago como para Paulo, a fé e as obras
são ambas essenciais para uma resposta autêntica a Deus. As boas obras têm seu
lugar não como a base da justificação, mas como resultado inevitável dela.
Adoção. A adoção refere-se àquela obra da graça de Deus pela qual Ele nos recebe
como seus filhos através de Cristo e em união com Ele. A prática da adoção
legal era muito comum na antiguidade. Existem exemplos dela no Antigo
Testamento (Êx 2.10; 1Rs 11.20; Et 2.7) e a idéia faz parte da descrição de
Israel como filho de Deus (Êx 4.22; Os 11.1). No primeiro século, sob a lei
romana, o adulto que desejasse um herdeiro podia adotar alguém do sexo
masculino em geral um adolescente ou mesmo um adulto, um costume facilmente
transferível para a nova relação entre o cristão e Deus. Paulo faz uso especial
do fato (Rm 8.14-17; Gl 4.1-7; Ef
1.5; cf. 1Jo 3.1s).
Quando nos lembramos do que éramos em nossos pecados, o conceito de adoção
comunica com muito poder a magnitude da misericórdia de Deus para conosco. Que
todos os nossos pecados fossem perdoados já é em si admirável; mas que os
rebeldes perdoados viessem a tornar-se filhos e filhas legítimos de Deus,
estabelecidos na intimidade de seu círculo familiar, é certamente um milagre
além de qualquer outro.
A adoção subentende que a vida cristã é, em primeiro lugar, uma vida com
Deus como Pai (Rm 8.15; G1 4.6). Ambos os versículos falam do uso da palavra Abba ao dirigir-nos a Deus. Esta foi
exatamente a expressão usada por Jesus em suas orações. Significa “Pai muito
amado”, ou simplesmente “Papai”.
Segundo, a vida cristã é também uma vida comunitária, A adoção nos ensina a
ver os companheiros cristãos como irmãos e irmãs na Família de Deus. Esta é
possivelmente a palavra mais profunda que podemos usar a respeito de nossos
relacionamentos cristãos; fazemos parte todos juntos, da grande família de Deus
que abrange todas as nações e gerações.
Terceiro, a adoção significa vida com Cristo como nosso irmão mais velho
(Rm 8.14, 29; Hb 2. 10s). No mundo romano, o filho adotivo tinha todos os
direitos legais na família, equivalentes aos de quaisquer outros filhos
naturais. Ele podia até mesmo ser designado pelo pai como herdeiro legal,
superando os direitos dos filhos legítimos. Que coisa surpreendente! São-nos concedidos
todos os direitos na família de Deus, juntamente com o filho legitimo do Pai, o
Senhor Jesus Cristo.
Adoção, finalmente,
expressa a certeza de nossa esperança (Rm 8.14; Gl 4.6). Somos herdeiros de
Deus, co-herdeiros com Cristo. Em sua graça espontânea, o Pai nos dá o direito
de participar de sua glória futura em Cristo.
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