SOTERIOLOGIA
(A DOUTRINA DA SALVAÇÃO)
Salvação é um termo
inclusivo que abrange dentro do seu escopo muitos aspectos. Por exemplo, há
salvação no passado, no presente e para o futuro, ou seja, salvação da
penalidade, do poder e da presença do pecado. Há a salvação do espirito na
regeneração, da alma na santificação, e do corpo na gloriticação. Incluídas
nestes diversos aspectos encontram-se as doutrinas que, em conjunto, constituem
o que na teologia se chama de soteriologia, assunto em foco neste capítulo.
Abordaremos agora os
principais pontos desta tão importante doutrina para nós cristãos.
Capítulo 1
O ARREPENDIMENTO
O arrependimento é o
primeiro aspecto da experiência inicial da salvação experimentada pelo crente,
experiência esta que é chamada conversão. A conversão é uma parte essencial e
uma prova de regeneração. A regeneração é a obra de Deus no íntimo e a
conversão é a exteriorização da salvação, por parte do homem, através do
arrependimento e da fé. O arrependimento tem muito de negativo e diz respeito
ao pecado em seus muitos aspectos e formas, especialmente ao pecado da
incredulidade.
1.1. Sua Importância Demonstrada
1.1.1. Nos Ministérios primitivos do Novo Testamento.
(1) João. Mt 3.1,2.
“Naqueles dias apareceu João Batista pregando no deserto da Judéia, e dizia:
Arrependeivos porque está próximo o reino dos céus”.
(2) Jesus. Mt 4.17. “Daí
por diante passou Jesus a pregar e a dizer: arrependei-vos, porque está próximo
o reino dos céus”.
(3) Os doze. Mc 6.12.
“Então, saindo deles, pregavam ao povo que se arrependessem”.
1.1.2.
Na comissão de Cristo,
após sua ressurreição.
“E que em seu nome se
pregasse arrependimento para remissão de pecados, a todas as nações, começando
de Jerusalém”. Lc 24.47
1.1.3. Nos ministérios
posteriores do Novo Testamento.
(1) Pedro. At 2.38.
“Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome
de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do
Espírito Santo”.
(2) Paulo. At 26.20. “Mas
anunciei primeiramente aos de Damasco e em Jerusalém, por toda a região da
Judéia e aos gentios, que se arrependessem e se convertessem a Deus, praticando
obras dignas de arrependimento”. Cf. At l7.30; 20.21; Rm 3.25.
1.1.4. Na expressão do desejo e da vontade de Deus para
com todos os homens.
“Não retarda o Senhor a
sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo
para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao
arrependimento.” 2 Pedro 3.9. Cf. At
17.30
1.1.5. Seu papel na
salvação do homem
“Não eram eu vo-lo
afirmo: se porém, não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis.” Lc 13.3.
Cf. Tiago 5.20.
A importãcia do
arrependimento verifica-se pelo lugar que ocupa e pela ênfase que lhe é dada,
na revelação divina.
1.2. Seu Significado
1.2.1. No tocante ao intelecto
O arrependimento é uma mudança de pensamento ou de ponto de vista no
tocante à nossa obrigação para com a vontade e a palavra de Deus. Mt 21.30.
“Respondeu: Não quero; depois arrependido, foi”. Cf. Lc 15.18; 18.13.
A palavra traduzida aqui “arrependimento”
significa mudança de pensamento, de propósito, isto é, de pontos de vista
referentes à matéria; significa possuir outra atitude mental a respeito de
algo; é uma revolução de pensamento a respeito de nossos pontos de vista e
atitudes. Pedro exortou aos judeus a mudarem de pensamento e de pontos de vista
a respeito de Cristo, e a expressarem essa mudança recebendo o batismo (At
2.36-40).
“A palavra da qual
‘arrependimento’ é a tradução tem no Novo Testamento, como sentido primário,
‘reflexão posterior’, e como sentido secundário, ‘mudança de pensamentos’. É
fácil compreender como sentido secundário seguiu-se a significação primária,
pois em todas as épocas, a reflexão posteior tem descoberto razões para mudança
de pensamentos”. PENDLETON.
1.2.2. No tocante às emoções
No arrependimento abrange
dois elemenios essenciais:
(1) Ódio ao pecado
“Vós, que amais o Senhor,
detestai o mal: ele guarda a alma dos santos, livra-os das mãos dos ímpios.”
(Sl 97.10).
Esse é um dos fatores
essenciais do arrependimento. É inseparável da mudança de pensamentos já
referida, pois essa mudança de pensamentos se da à luz do pecado, porque o
pecado é visto como grande mal. Considerado sob essa luz, torna-se objeto de
repugnância. Nesse ponto, coincidem o Arrependimento e a Regeneração; o ódio ao
pecado se encontra entre os impulsos primários da regeneração; e não pode ser
abstraído do arrependimento sem alterar seu caráter. O pecador arrependido
odeia o pecado e os pecados dos quais se arrepende; o pecado que é depravação
ou corrupção da natureza, e os pecados, que são as transgressões incitadas pela
natureza pecaminosa. O pecado não é
realmente odiado enquanto não é odiado em todas as suas formas: em suas
operações externas e suas manifestações externas. O pecado é aquela cousa
abominável que Deus aborrece e odeia, torna-se o objeto de ódio do pecador
arrependido.” PENDLETON.
(2) Tristeza por causa do pecado.
“Agora me alegro, não
porque fostes contristados, mas porque fostes contristados para arrependimento;
pois fostes contristados segundo Deus, para que de nossa parte nenhum dano
sofrêsseis.” (2Co 7.9), cf Sl 38.18.
“Isso acompanha o ódio ao
pecado. Aquele que se arrepende odeia os pecados pelos quais se entristece, e se entristece por causa do
pecado que odeia. Esse ódio e essa tristeza são recíprocos. De fato, cada qual
pode ser reputado tanto o efeito como a causa do outro, tão íntima é sua
relação.” (Mt 11.20,21).
O remorso é tristeza em
vista das consequências do pecado, mas o arrependimento condena o pecado que
produziu tais consequências. Lágrimas estão nos olhos do arrependido, confissão
em seus lábios, o pensamento de Deus sobre o pecado em seus pensamentos, o
afastamento do pecado é seu caminho, a contrição se apossa de seu coração, o
apossar-se de Cristo se encontra em suas mãos, e a humildade de maneiras se
acha em sua atitude.
1.2.3. No
tocante à vontade.
O arrependimento importa
na formação de um novo propósito relativo ao pecado e à vontade de Deus.
“Levantar-me-ei e irei
ter com meu pai e lhe direi: Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não
sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus trabalhadores. E,
levantando-se, foi para seu pai. Vinha ele ainda longe, quando seu pai o
avistou e, compadecido dele, correndo, o abraçou e o beijou.” (Lc 15.18-20), cf
Mt 21.29; 1Ts 1.19.
A vontade do homem, à
semelhança de suas emoções, está intimamente relacionada com seu intelecto e
ligada a ele, e o exercício voluntário de uma está envolvido no exercício de
outra. Isto é verdade em relação ao arrependimento. Uma autêntica mudança de
pensamento para com Deus e o pecado, também requer um verdadeiro propósito a
respeito deles.
O arrependimento pode ser
definido como mudança de pensamento para com o pecado e para com a vontade de
Deus, o que conduz uma transformação de sentimento e de propósito a seu
respeito.
1.3. Sua Manisfestação
O arrependimento é uma
atuação interna da alma, mas tem sua expressão externa, isto é, sua
manifestação. O arrependimento torna-se manifesto:
1.3.1. Na confissão de pecado.
(a) A Deus.
“Enquanto calei meus
pecados, envelheceram-se os meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o
dia. Porque a tua mão pesava dia e noite sobre mim; e o meu vigor se tornou em
sequidão de estio. Confessei-te o meu pecado e a minha iniquidade não mais
ocultei. Disse: Confessei ao Senhor as minhas transgressões; e tu perdoaste a
iniquidade do meu pecado.” Sl
32.3-5 cf. Sl 38.18; Lc 18.13; 15.21.
“Todo pecado é cometido
contra Deus, contra Sua natureza, Sua vontade, Sua autoridade, Sua lei, Sua
Justiça e Sua bondade; e o mal do pecado está principalmente no fato de que é
oposição a Deus e desarmonia com o Seu caráter. O mal do pecado, cometido
contra Deus, é o elemento que dá ao verdadeiro penitente uma ansiedade e uma
preocupação especiais. Ele justifica a Deus e condena a si mesmo”. PENDLETON.
(b) Ao homem.
Também deve haver
confissão de pecado ao homem, visto que o homem recebe dano do nosso pecado, e
por causa do mesmo.
“Confessai, pois, os
vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros, para serdes curados.
Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo. Tg 5. 6; cf. Mt 5.23,24; Lc 19.8,9.
A confissão feita ao
homem deve ser tão pública como o erro cometido contra ele. Caso tenha sido um
erro público, que tenha danificado sua reputação e lhe tenha furtado sua
posição entre os homens, a confissão também deveria ser aberta e pública. Se
for possível corrigir o erro que tiver sido cometido, nenhum meio deveria ser
deixado de lado para realizar este ato. A restituição deve seguir-se ao
arrependimento.
1.3.2. No abandono do pecado.
“O que encobre as suas
transgressões, jamais prosperará; mas o que as confessa e deixa, alcançará
misericórdia.” Pv 28.13; cf. Is 55.7; Mt 3.8, l0; lTs 1.9; At 26.l8.
Quando o arrependimento é
genuino, os homens se voltam das trevas para a luz, e do poder de Satanás para
Deus; abandonam aquilo que Deus perdoa, e renunciam aquilo que Ele remite.
A confissão do pecado e
do erro, juntamente com a reparação devida pelos mesmos, quando possível, é a
expressão externa do ato interno do arrependimento.
1.4. Seu Modo.
1.4.1. Pelo lado divino; outorgado por Deus.
“E,
ouvindo eles estas cousas, apaziguaram-se e glorificaram a Deus, dizendo: Logo,
também aos gentios foi por Deus concedido o arrependimento para a vida.” At
11.18; cf. 2Tm
2.24, 25; At 5.30,31; 3.26.
O
arrependimento não é algo que o homem possa originar dentro de si mesmo, ou
possa produzir por si mesmo. É dom divino, resultado da
graciosa operação de Deus na alma do homem, devido à qual ele se dispõe a essa
mudança; Deus é quem lhe concede o arrependimento.
1.4.2. Pelo lado humano: realizado através de meios.
a) Por meio do ministério da Palavra.
“Ouvindo eles estas
coisas, compungiu-se-lhes o coração e perguntaram a Pedro e aos demais
apóstolos: Que faremos, irmãos? Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um
de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão de vossos pecados, e
recebereis o dom do Espírito Santo... Então os que lhes aceitaram a palavra
foram batizados; havendo um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas. At
2.37, 38, 41; cf. 2Tm 2.24,25; At 26.l9,
20; Gl 6.1; 1Ts 1.5, 6, 9, 10.
O próprio evangelho que
exorta ao arrependimento é que o produz. Isso é admiravelmente ilustrado na
experiência do povo de Nínive (Jonas 3.5-10). Quando ouviram a pregação da
palavra de Deus por Jonas, creram na mensagem e abandonaram sua iniquidade. Não
qualquer mensagem, mas o Evangelho, é o instrumento que Deus usa para produzir
esta finalidade desejada. Além disso, a mensagem precisa ser pregada no poder
do Espírito Santo (1Ts 1.5-9).
(b) Por meio da benignidade de Deus.
“Ou desprezas a riqueza da
sua bondade, e tolerância, e longanimidade, ignorando que a bondade de Deus é
que te conduz ao arrependimento?” Rm 2.4; cf. Lc 6.35; Ef 4.32; lPe 2.3.
O propósito de toda a
bondade de Deus, em seus tratos com os homens, tem em vista dissuadi-los de prosseguir
no caminho do pecado e conduzi-los à vida de justiça.
(c) Por meio de repreensão e castigo.
“Eu repreendo e
disciplino a quantos amo. Sê, pois, zeloso, e arrepende-te.” Ap 3.19; cf. Hb
12.6, 10, 11.
O propósito de toda a
severidade de Deus em Seu trato com os homens tem em vista produzir neles os
frutos pacíficos da retidão através do verdadeiro arrependimento.
(d) Por meio da tristeza segundo Deus.
“Porquanto ainda que vos
tenha contristado com a carta, não me arrependo; embora já me tenha arrependido
(vejo que aquela carta vos contristou por breve tempo), agora eu me alegro, não
porque fostes contristados, mas porque fostes contristados para o
arrependimento; pois fostes contristados segundo Deus, para que de vossa parte
nenhum dano sofrêsseis. Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento
para a salvação que a ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz morte.
Porque, quanto cuidado não produziu isto mesmo em vós que segundo Deus fostes
contristados; que defesa, que indignação, que temor, que saudades, que zelo,
que vindita! Em tudo destes prova de estardes inocentes neste assunto.” 2Co
7.8-11.
Deus tem motivos
benevolentes em toda tristeza que Ele permite venha sobre as vidas, tanto de
Seus filhos como de outros, e esse motivo é levá-los ao arrependimento.
(e) Por meio de percepção da santidade de Deus.
“Eu te conhecia só de
ouvir, mas agora os meus olhos te vêem. Por isso me abomino, e me arrependo no
pó e na cinza.” Jó 42.5, 6.
O senso experimental da
santidade de Deus produz um senso pessoal de pecado, o que é elemento essencial
do arrependimento.
O arrependimento é um dom
de Deus, proporcionado por meio de várias instrumentalidades.
1.5. Seus Resultados.
Uma vez que o
arrependimento e a fé são inseparáveis, seus resultados dificilmente podem ser
identificados separadamente. Certos resultados, no entanto, são atribuídos nas
Escrituras ao arrependimento.
1.5.1. Alegria no céu.
“Digo-vos que assim haverá
maior júbilo no céu por um pecador que se arrepende, do que por noventa e nove
justos que não necessitam de arrependimento... Eu vos afirmo que, de
igual modo, há júbilo diante dos anjos de Deus por um pecador que se
arrepende.” Lc 15.7-10; cf. 2Pe 3.9.
Há alegria na presença
dos anjos de Deus, tanto quanto em Seu próprio coração, pelo arrependimento dos
pecadores.
1.5.2. Perdão.
“Deixe o perverso o seu
caminho, o iníquo os seus pensamentos; converta-se ao Senhor, que se
compadecerá dele. E volte-se para o nosso Deus, porque é rico em perdoar.” Is
55.7; cf. Lc 24.47; Mc 1.4; At 2.38; 3.19.
O arrependimento
habilita-nos para a recepção do perdão, ainda que não nos dê esse direito.
Somente o sangue de Cristo é que pode fazer isso.
1.5.3. Recepção do Espírito Santo.
“Respondeu-lhes Pedro:
Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para a
remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo.” At 2.38;
cf. Ef 1.13.
O arrependimento faz parte essencial do requisito subjetivo que visa à
outorga do Espírito Santo. É justamente isso que põe a alma em atitude
receptiva.
O pecador arrependido alegra o céu, recebe o perdão e o selo do Espírito
Santo.
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